Leiam, é um terror clássico de Charles Perrault:
Volta
ao Mundo em 52 Histórias : “Barba Azul”
Era uma vez um homem muito rico,
chamado Barba Azul, que possuía mansões suntuosas na cidade e no campo e podia
comprar tudo o que desejasse, faltando-lhe apenas uma esposa.
Uma vizinha sua, aristocrata de
alta estirpe, tinha duas filhas, e Barba Azul lhe perguntou se uma delas não o
aceitaria como marido. Ambas se recusaram terminantemente a se unir a um homem
que tinha a barba azul e que, segundo se dizia, casara-se várias vezes e
ninguém sabia que fim levaram suas mulheres.
No entanto, as duas irmãs
aceitaram seu convite para passar uma semana em uma de suas casas de campo,
entretendo-se com festas, bailes, piqueniques, caçadas, pescarias e jogos.
Divertiram-se tanto que no final da estada a caçula começou a achar que aquela
barba azul não era tão horrível e, quando voltou para a cidade, resolveu se
casar com o ricaço.
Um mês depois ele lhe
comunicou que ia viajar para tratar de um negócio. “Mas você não precisa ficar
trancada em casa, meu bem”, falou. “Pode sair à vontade ... Chame sua irmã Ana
para lhe fazer companhia e procure se distrair”.
Antes de partir lhe entregou
um molho de chaves, especificando a função de cada uma. Quando chegou a uma
chave bem menor que as outras, explicou: “Esta aqui é da porta do gabinete que
fica no fundo da galeria, mas você não deve usá-la. Se abrir aquela porta, terá
que enfrentar minha fúria”.
A jovem esposa prometeu fazer
tudo como ele dizia. Nos dias que se seguiram recebeu muitas visitas, passeou
com sua irmã, desfrutou das maravilhas que tinha em casa. Mas não conseguia
vencer a curiosidade e só pensava no que o misterioso gabinete poderia
encerrar.
Uma tarde, enquanto Ana se
ocupava de alguma coisa em outra ala da mansão, ela pegou a chave pequena, foi
até o fundo da galeria e abriu a porta proibida. Ao entrar, não enxergou nada,
mas pouco depois, quando sua vista se acostumou com a penumbra, percebeu
manchas de sangue no chão. Dirigiu o olhar para as paredes e recuou, reprimindo
a custo um grito de pavor. Pois ali viu pendurados os corpos de várias
mulheres; todos com a garganta cortada. Eram as esposas que Barba Azul
degolara, uma após outra.
O susto foi tão grande que a
jovem deixou cair a pequena chave. Fazendo um esforço sobre-humano para se
controlar, apanhou-a, fechou a porta e voltou para seu quarto, onde tombou desmaiada.
Quando recuperou a consciência,
notou que a chave estava manchada de sangue. Procurou limpá-la, lavando-a,
areando-a, esfregando-a com vigor, mas não conseguiu remover a marca reveladora.
Naquela noite Barba Azul
regressou inesperadamente, alegando que tivera que encurtar a viagem, porém só
na manhã seguinte reclamou o molho de chaves. Tão logo o recebeu da mão trêmula
da esposa, constatou a falta de uma chave. Nem precisava perguntar nada, pois o
nervosismo da jovem a denunciava; mesmo assim, ele falou:
“Onde está a chave do gabinete?”
“Acho que... que a deixei lá... lá
... em cima ...”, ela gaguejou, tremendo dos pés à cabeça.
“Vá buscá-la!”.
Relutante, a moça obedeceu, e
antes mesmo de pegar a chave o marido viu a mancha. “Por que este sangue?”,
quis saber, fitando-a com olhos ferozes.
“Juro que não sei...”, a
pobrezinha murmurou.
“Pois eu sei! Você não
resistiu a tentação de entrar no gabinete, contrariando minha ordem! Muito bem,
já que queria tanto entrar lá, agora vai fazer companhia as outras!”
A moça se lançou a seus pés,
implorando-lhe piedade com tal fervor que comoveria até uma rocha, porém o
coração de Barba Azul era mais duro que pedra. “Você precisa morrer!” Chegou
sua hora!”, ele rugiu.
“Conceda-me ao menos quinze minutos
de vida, para que eu possa rezar!”
“Assim seja!”, Barba Azul
declarou de má vontade.
Reunindo todas as suas forças, ela
voltou para seu quarto, chamou Ana e lhe contou o que acontecera. Depois lhe
pediu: “Por favor, suba até o alto da torre e me avise quando avistar nossos
irmãos, pois eles prometeram nos visitar hoje”.
Mal esperou Ana subiu a escada
e já lhe perguntou: “Está vendo alguma coisa?”
“Só vejo o sol dourando a
terra e o verde dos campos”, respondeu a irmã, desolada.
A pergunta e a resposta se
repetiram várias vezes, enquanto Barba Azul subia a escada lentamente, degrau
por degrau. Ao cabo de alguns minutos, Ana informou: “Vejo ao longe uma nuvem
de poeira!”.
“São nossos irmãos?”, a caçula
falou, cheia de esperança.
“Não ... É apenas um rebanho de
carneiros ...”
Ouvindo os passos do marido, cada
vez mais próximos, a moça perguntou novamente: “E agora? Está vendo alguma
coisa?”.
“Sim, sim! Vejo dois cavaleiros!
Deus seja louvado! São nossos irmãos!”, Ana exclamou, acenando para os rapazes:
“Depressa! Depressa!”.
Nesse momento Barba Azul
entrou no quarto e, surdo às súplicas da esposa, que mais uma vez se jogou a
seus pés, agarrou-a pelos cabelos. “Não adianta chorar”, declarou. “Você tem
que morrer!” Quando ia lhe cortar a garganta, os dois irmãos interromperam no
aposento e cravaram suas espadas no coração do malfeitor.
Como Barba Azul não tinha filhos, a
jovem viúva herdou sua fortuna imensa. Ela deu uma generosa soma a Ana, para
que pudesse se casar com um fidalgo de seu nível, e outra aos irmãos, para que
pudessem subir de posto no exército. O resto do dinheiro, gastou-o com seu
segundo marido, um moço bom que a ajudou a esquecer as aflições vividas ao lado
do terrível Barba Azul.
Charles Perrault